Critical collaboration by Leonardo Araujo Beserra
at the exhibition Things, at Janaina Torres Gallery, São Paulo, 17.10.18
+ Works > Things, 2018 – 2020
Ao
analista do IBGE: transcrição do relatório parcial de 17 de outubro de 2018
Desde o início do presente ano, o entrevistado, Daniel Chueke Jablonski, vem organizando, categorizando e catalogando os múltiplos resíduos materiais acumulados arbitrariamente na trajetória de sua vida. No local visitado, a Galeria Janaina Torres, este entrevistador, Leonardo Araujo Beserra, os encontrou ordenados de três formas diferentes. Primeiro, por ordem cronológica, ano a ano. Segundo, por categorias em ordem alfabética, letra a letra. E, por último, por meio de narrativas gravadas em áudio, feitas a partir de alguns objetos de cada ano (estas, aparentemente, ainda em processo).
O entrevistado não respondeu a nenhuma das perguntas dispostas no questionário. Inversamente, sugeriu ao entrevistador que o preenchesse sozinho, extraindo todas as informações necessárias a partir da análise e da averiguação dos mais de 3 mil itens presentes no local. Estes foram dispostos em prateleiras, gabinetes e arquivos industriais de metal, pintados de preto. E se repetem em uma lista descritiva em duas paredes, ocupando quase todo seu espaço, sem margem gráfica. Há ainda dois aparelhos MP3 com fones em que se pode escutar, a cada faixa do álbum, as narrativas referidas acima.
Enquanto o entrevistador perdia-se entre as coisas do entrevistado, este manteve-se silencioso e entretido em suas atividades. O pesquisador passou cerca de vinte horas – divididas entre cinco dias úteis no horário comercial – e outras dez horas – divididas entre dois dias inúteis nas horas vagas – trabalhando sozinho junto às coisas do entrevistado para completar o questionário com as respostas mais plausíveis. Desse modo, torna-se importante salientar ao analista deste relatório que o presente documento é resultado da interpretação do entrevistador sobre a vida do entrevistado a partir de suas coisas.
Em uma primeira averiguação, o entrevistador pôde observar que o entrevistado é um jovem branco (por conta de algumas fotografias em que este aparece), de origem judaica (por conta do convite para a cerimônia de iniciação à vida adulta, Bar Mitzvah), de classe econômica média alta (por conta da trajetória de formação educacional apresentada nos certificados de conclusão de curso em diferentes línguas, culturas e países), e também de formação política ideológica progressista (por conta dos livros e anotações encontrados). Com a finalidade de dar seguimento ao presente estudo, o entrevistador ainda gostaria de propor ao analista a possibilidade de, a posteriori, formular um novo questionário voltado apenas ao estudo das coisas. Se aprovado, este deverá estar disponível ao fim de dois meses, na forma de uma publicação. Tal disposição se deve ao fato verificado empiricamente de que as coisas, ao contrário de seus proprietários, não mentem ou omitem nada, o que, a nosso ver, justifica a importância de se atualizar a natureza do trabalho do pesquisador do Censo nacional.
Por fim, uma última observação a ser feita ao analista: o entrevistador encontrou, entre seus pertences do entrevistado, o livro As coisas, de 1965, do escritor francês Georges Perec. No romance, um casal de jovens psicossociólogos realiza nas ruas e comércios de Paris pesquisas acerca do desejo das pessoas em relação aos objetos. A presença de tal item no recinto pareceu sugerir que o entrevistado sabia, antes mesmo da aparição deste entrevistador, que o IBGE o procuraria neste exato momento de sua vida, em que reorganiza seu passado por meio de suas coisas.
Desde o início do presente ano, o entrevistado, Daniel Chueke Jablonski, vem organizando, categorizando e catalogando os múltiplos resíduos materiais acumulados arbitrariamente na trajetória de sua vida. No local visitado, a Galeria Janaina Torres, este entrevistador, Leonardo Araujo Beserra, os encontrou ordenados de três formas diferentes. Primeiro, por ordem cronológica, ano a ano. Segundo, por categorias em ordem alfabética, letra a letra. E, por último, por meio de narrativas gravadas em áudio, feitas a partir de alguns objetos de cada ano (estas, aparentemente, ainda em processo).
O entrevistado não respondeu a nenhuma das perguntas dispostas no questionário. Inversamente, sugeriu ao entrevistador que o preenchesse sozinho, extraindo todas as informações necessárias a partir da análise e da averiguação dos mais de 3 mil itens presentes no local. Estes foram dispostos em prateleiras, gabinetes e arquivos industriais de metal, pintados de preto. E se repetem em uma lista descritiva em duas paredes, ocupando quase todo seu espaço, sem margem gráfica. Há ainda dois aparelhos MP3 com fones em que se pode escutar, a cada faixa do álbum, as narrativas referidas acima.
Enquanto o entrevistador perdia-se entre as coisas do entrevistado, este manteve-se silencioso e entretido em suas atividades. O pesquisador passou cerca de vinte horas – divididas entre cinco dias úteis no horário comercial – e outras dez horas – divididas entre dois dias inúteis nas horas vagas – trabalhando sozinho junto às coisas do entrevistado para completar o questionário com as respostas mais plausíveis. Desse modo, torna-se importante salientar ao analista deste relatório que o presente documento é resultado da interpretação do entrevistador sobre a vida do entrevistado a partir de suas coisas.
Em uma primeira averiguação, o entrevistador pôde observar que o entrevistado é um jovem branco (por conta de algumas fotografias em que este aparece), de origem judaica (por conta do convite para a cerimônia de iniciação à vida adulta, Bar Mitzvah), de classe econômica média alta (por conta da trajetória de formação educacional apresentada nos certificados de conclusão de curso em diferentes línguas, culturas e países), e também de formação política ideológica progressista (por conta dos livros e anotações encontrados). Com a finalidade de dar seguimento ao presente estudo, o entrevistador ainda gostaria de propor ao analista a possibilidade de, a posteriori, formular um novo questionário voltado apenas ao estudo das coisas. Se aprovado, este deverá estar disponível ao fim de dois meses, na forma de uma publicação. Tal disposição se deve ao fato verificado empiricamente de que as coisas, ao contrário de seus proprietários, não mentem ou omitem nada, o que, a nosso ver, justifica a importância de se atualizar a natureza do trabalho do pesquisador do Censo nacional.
Por fim, uma última observação a ser feita ao analista: o entrevistador encontrou, entre seus pertences do entrevistado, o livro As coisas, de 1965, do escritor francês Georges Perec. No romance, um casal de jovens psicossociólogos realiza nas ruas e comércios de Paris pesquisas acerca do desejo das pessoas em relação aos objetos. A presença de tal item no recinto pareceu sugerir que o entrevistado sabia, antes mesmo da aparição deste entrevistador, que o IBGE o procuraria neste exato momento de sua vida, em que reorganiza seu passado por meio de suas coisas.