Resenha e texto crítico por Renan Araújo para a exposição Pergunte a seus vizinhos no Centro Cultural São Paulo, São Paulo, no 2º sem/2016
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Seu Agenor
Seu Agenor reside a três quadras do Centro Cultural São Paulo - descendo a Vergueiro quase em frente a Uninove. Aos 67 anos, frequenta religiosamente as instalações do Oásis Cultural, como costuma chamar o CCSP. Se fosse uma igreja, sê-lo-ia coroinha fervoroso, no entanto, não passa de um aposentado com manias que o coloca em uma clássica coluna dos "silenciados do WhatsApp". Não é que Seu Agenor seja a pessoa mais chata a frequentar os espaços do CCSP, longe de mim dar esse troféu a ele, tem gente pior, ninguém suporta o Sr. Eduardo - o fedorento - não tem amigos em nenhum dos pisos: biblioteca, não; terraço, não; mesa de pingue pongue, não; mas Eduardo sempre some no mundo, já Seu Agenor não, a cada meia hora pulula de uma atividade a outra: cinema-exposição-restaurante-subsolo. Tenta de vez em quando descer para as salas administrativas: "Vou ali visitar meu amigão!", mas não logra encontrar nenhum amigo e fica conversando com o guardinha que registra as entradas. Ninguém mais aguenta o Seu Agenor, seus poucos amigos do xadrez já sofrem taquicardia ao avista-lo subindo a rampa de quem vem pelo metrô. O mais odioso do idoso são as correntes enviadas pelo celular e as solicitações de joguinhos no Facebook. O velho é malquerido por todos, não tem um que não o bloqueie depois de poucos dias recebendo “Bom dia!” às 6h30 - horário que acorda para caminhar pelo bairro. Seu Agenor podia morrer, não faria nenhuma diferença, talvez ao atravessar a 23 de Maio - os carros podem trafegar a 50 km/h - daí qualquer batidinha já seria certeiro e o silêncio das redes sociais imperaria, seria um grande dia para seus "amigos".
Balta Nunes
O Centro Cultural São Paulo é um espaço administrado pela Secretaria Municipal da Cultura e suas instalações ocupam 46.500 m² entre as ruas Vergueiro e 23 de maio, e entre as estações Vergueiro e Paraíso do metrô. Suas atividades centram o público em um lugar de aprendizado e lazer. Seu projeto arquitetônico suga para dentro de suas instalações os transeuntes - o lugar se coloca como um espaço democrático e de encontro. Pode-se optar por estudar ou não fazer nada, ver um filme ou uma exposição, comer no restaurante ou ir ao teatro, ver um espetáculo de dança ou fazer parte de algum debate, usar a biblioteca ou o banheiro, dançar K-Pop ou jogar xadrez, namorar ou ser enganado por um agente infiltrado do Exército Brasileiro.
Willian Pina Botelho, também conhecido pelo pseudônimo de Balta Nunes, capitão do Exército Brasileiro, usava as redes sociais como o Tinder, Facebook, Instagram e WhatsApp para se infiltrar em movimentos sociais e grupos de manifestantes. No Instagram tocava violão, no Tinder tentava seduzir usando frases de Marx e no Facebook fazia duck face. No dia 04 de Setembro de 2016, durante as manifestações anti-Temer, foi detido com outros 21 manifestantes que estavam reunidos no CCSP. Do grupo, Balta foi o único a não ser encaminhado para a Delegacia de Investigações Criminais (Deic). A partir desse fato, os demais detidos desconfiaram das boas intenções do P2. O monitoramento de movimentos sociais com esse tipo de finalidade pode ser interpretado como uma prática ilegal, como um crime de espionagem ou talvez de abuso de autoridade e de falsidade ideológica. O caso ainda está sendo investigado.
Um mês antes do ocorrido, Daniel Jablonski instalou no jardim superior do CCSP seu projeto-luminoso "Pergunte a seus vizinhos". Frase essa que pode gerar a um morador das imediações o ímpeto de sair correndo e bater a porta do vizinho com a seguinte pergunta: tem açúcar? Já que não suportaria beber café com o adoçante vencido que restou da época que o diabetes teimava em aparecer nos exames.
Usando a hashtag #pergunteaseusvizinhos ou a localização do Centro Cultural São Paulo no Instagram é possível encontrar um pouco mais de 40 fotos públicas com o luminoso de Jablonski. Um usuário fotografou a peça e a dedicou a sua vizinha: "Para Cris minha vizinha de coração", já um outro usuário reagiu a publicação de um de seus amigos com: "Fui vizinha deles e nunca me perguntaram nada!” e um outro: "que não seja a senha do wi-fi". Esse enigma totem erigido no espaço de exposição cria pequenas interferências na paisagem, mas longe de ser algo diretamente propositivo, inclusive corre-se o risco de inverter a potência da frase a um mero jogo adocicado.
A peça remete a um filme, a uma legenda de uma possível cena em suspensão. Temos o início das filmagens com o enunciando/legenda/fala e seu desenvolvimento segue com a entrada em cena do público - preso eternamente ao filme. É possível se imaginar ali, na cena, na imagem projetada. Estariam todos em volta da peça interpretando um filme a pedido do artista? O objeto luminoso é carregado de uma aura encantada, a Publicidade sabe disso e usa o dispositivo até queimar a retina do consumidor. A luz seduz, engana, falseia. Quem também interpretava era o nosso queridíssimo amigo, confidente e péssimo ator, vulgo Balta, que falseava um comportamento para seduzir os jovens manifestantes. Até se gabou disso!
O dispositivo analógico letreiro luminoso de Jablonski, não tenta, necessariamente, vender algo. Tampouco tenta ser o salvador da pátria das relações humanas. Existe ali para ser uma interferência na cidade, não tem a pretensão de solucionar a falta de diálogo e comunicação, nem teria como conseguir tal feito. Somos seduzidos e convidados a nos aproximar da instalação como moscas atraídas, mesmo sendo possível ler a frase de uma distância considerável, no entanto, faz-se necessário caminhar até bem próximo da peça, ser esquentado pelo calor do neon e provar que aquilo está mesmo lá.
Seu Agenor reside a três quadras do Centro Cultural São Paulo - descendo a Vergueiro quase em frente a Uninove. Aos 67 anos, frequenta religiosamente as instalações do Oásis Cultural, como costuma chamar o CCSP. Se fosse uma igreja, sê-lo-ia coroinha fervoroso, no entanto, não passa de um aposentado com manias que o coloca em uma clássica coluna dos "silenciados do WhatsApp". Não é que Seu Agenor seja a pessoa mais chata a frequentar os espaços do CCSP, longe de mim dar esse troféu a ele, tem gente pior, ninguém suporta o Sr. Eduardo - o fedorento - não tem amigos em nenhum dos pisos: biblioteca, não; terraço, não; mesa de pingue pongue, não; mas Eduardo sempre some no mundo, já Seu Agenor não, a cada meia hora pulula de uma atividade a outra: cinema-exposição-restaurante-subsolo. Tenta de vez em quando descer para as salas administrativas: "Vou ali visitar meu amigão!", mas não logra encontrar nenhum amigo e fica conversando com o guardinha que registra as entradas. Ninguém mais aguenta o Seu Agenor, seus poucos amigos do xadrez já sofrem taquicardia ao avista-lo subindo a rampa de quem vem pelo metrô. O mais odioso do idoso são as correntes enviadas pelo celular e as solicitações de joguinhos no Facebook. O velho é malquerido por todos, não tem um que não o bloqueie depois de poucos dias recebendo “Bom dia!” às 6h30 - horário que acorda para caminhar pelo bairro. Seu Agenor podia morrer, não faria nenhuma diferença, talvez ao atravessar a 23 de Maio - os carros podem trafegar a 50 km/h - daí qualquer batidinha já seria certeiro e o silêncio das redes sociais imperaria, seria um grande dia para seus "amigos".
Balta Nunes
O Centro Cultural São Paulo é um espaço administrado pela Secretaria Municipal da Cultura e suas instalações ocupam 46.500 m² entre as ruas Vergueiro e 23 de maio, e entre as estações Vergueiro e Paraíso do metrô. Suas atividades centram o público em um lugar de aprendizado e lazer. Seu projeto arquitetônico suga para dentro de suas instalações os transeuntes - o lugar se coloca como um espaço democrático e de encontro. Pode-se optar por estudar ou não fazer nada, ver um filme ou uma exposição, comer no restaurante ou ir ao teatro, ver um espetáculo de dança ou fazer parte de algum debate, usar a biblioteca ou o banheiro, dançar K-Pop ou jogar xadrez, namorar ou ser enganado por um agente infiltrado do Exército Brasileiro.
Willian Pina Botelho, também conhecido pelo pseudônimo de Balta Nunes, capitão do Exército Brasileiro, usava as redes sociais como o Tinder, Facebook, Instagram e WhatsApp para se infiltrar em movimentos sociais e grupos de manifestantes. No Instagram tocava violão, no Tinder tentava seduzir usando frases de Marx e no Facebook fazia duck face. No dia 04 de Setembro de 2016, durante as manifestações anti-Temer, foi detido com outros 21 manifestantes que estavam reunidos no CCSP. Do grupo, Balta foi o único a não ser encaminhado para a Delegacia de Investigações Criminais (Deic). A partir desse fato, os demais detidos desconfiaram das boas intenções do P2. O monitoramento de movimentos sociais com esse tipo de finalidade pode ser interpretado como uma prática ilegal, como um crime de espionagem ou talvez de abuso de autoridade e de falsidade ideológica. O caso ainda está sendo investigado.
Um mês antes do ocorrido, Daniel Jablonski instalou no jardim superior do CCSP seu projeto-luminoso "Pergunte a seus vizinhos". Frase essa que pode gerar a um morador das imediações o ímpeto de sair correndo e bater a porta do vizinho com a seguinte pergunta: tem açúcar? Já que não suportaria beber café com o adoçante vencido que restou da época que o diabetes teimava em aparecer nos exames.
Usando a hashtag #pergunteaseusvizinhos ou a localização do Centro Cultural São Paulo no Instagram é possível encontrar um pouco mais de 40 fotos públicas com o luminoso de Jablonski. Um usuário fotografou a peça e a dedicou a sua vizinha: "Para Cris minha vizinha de coração", já um outro usuário reagiu a publicação de um de seus amigos com: "Fui vizinha deles e nunca me perguntaram nada!” e um outro: "que não seja a senha do wi-fi". Esse enigma totem erigido no espaço de exposição cria pequenas interferências na paisagem, mas longe de ser algo diretamente propositivo, inclusive corre-se o risco de inverter a potência da frase a um mero jogo adocicado.
A peça remete a um filme, a uma legenda de uma possível cena em suspensão. Temos o início das filmagens com o enunciando/legenda/fala e seu desenvolvimento segue com a entrada em cena do público - preso eternamente ao filme. É possível se imaginar ali, na cena, na imagem projetada. Estariam todos em volta da peça interpretando um filme a pedido do artista? O objeto luminoso é carregado de uma aura encantada, a Publicidade sabe disso e usa o dispositivo até queimar a retina do consumidor. A luz seduz, engana, falseia. Quem também interpretava era o nosso queridíssimo amigo, confidente e péssimo ator, vulgo Balta, que falseava um comportamento para seduzir os jovens manifestantes. Até se gabou disso!
O dispositivo analógico letreiro luminoso de Jablonski, não tenta, necessariamente, vender algo. Tampouco tenta ser o salvador da pátria das relações humanas. Existe ali para ser uma interferência na cidade, não tem a pretensão de solucionar a falta de diálogo e comunicação, nem teria como conseguir tal feito. Somos seduzidos e convidados a nos aproximar da instalação como moscas atraídas, mesmo sendo possível ler a frase de uma distância considerável, no entanto, faz-se necessário caminhar até bem próximo da peça, ser esquentado pelo calor do neon e provar que aquilo está mesmo lá.