Texto crítico por Ana Paula Lopes e Cadu Gonçalves da performance Solo apresentada no Ateliê 397 / Galpão Cru,
São Paulo, em 14.04.22


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+ Obras > Solo, 2022
+ Obras > Hy Brazil, 2018-2020





                Nas sociedades ocidentais não há tempo para erros.

                Para alcançar a perfeição dentro das áreas de criação, a repetição é sinônimo de técnica: o ensaio procura a excelência das ações. Ler muito ensina a escrever e falar melhor, desenhar diariamente aguça a observação, os profissionais da dança ensaiam horas a fio para executar coreografias seculares e delicadas, e um musicista, ao debruçar-se sobre partituras, realizará feitos extraordinários. Mas o que fazer quando todo esse aprimoramento cerimonial falha em uma apresentação e esse espírito vê seu regramento descompassado? A solução é entregar-se a uma dinâmica de tentativa e erro?

                (Pausa dramática)

                Propor a leitura de uma partitura sem um ensaio prévio já é algo desafiador. Na regra do jogo criado por Daniel Jablonski, a aposta é dobrada ao propor a leitura de uma partitura, sem um ensaio prévio, da transcrição de um solo proveniente de canções de jazz, ritmo originário das comunidades negras de Nova Orleans (EUA), cujo elemento característico, entre os inúmeros presentes neste ritmo musical, é a improvisação. Dentre icônicos exercícios experimentais do jazz, ressaltamos o álbum ‘Kind of blue’ (1959). O músico e artista plástico estadunidense Miles Davis (1926-1991) forneceu alguns direcionamentos e rascunhos de escalas e linhas melódicas aos músicos que o acompanhava, sem realizar ensaios prévios para a gravação das faixas, concebendo esse que é um dos álbuns de jazz mais aclamados da história da música. Esses músicos só puderam realizar esse feito graças às repetições, ensaios e leituras do passado.

                O solo é o ápice da emoção criadora, aliada ao domínio técnico de músicos geniais que imprimem sua identidade em acordes e compassos. Esse momento no palco, de brilho e comoção, é transcrito em partituras e ensaiado por corajosos que se desafiam a reproduzir verdadeiros cálculos astrofísicos ou milagres musicais, dados os graus de complexidade técnica. Em nossa percepção, na escrita deste texto, entendemos isso como reproduzir a mesma digital em duas pessoas diferentes.

                As pesquisas mais recentes de Daniel Jablonski debruçam-se sobre cartografias de erros e enganos, sobre o desvendar de mistérios e a magia de alguns postulados, a exemplo de Hy Brazil, pesquisa realizada entre 2018 e 2020 que propõe a busca da ilha fantasma de mesmo nome, situada na costa da Irlanda, que figurou em mapas náuticos do século XIV ao XIX. O artista nos propõe a explorar as minúcias de processos abertos, onde o expectador é envolvido em ações ou imagens que aproximam o público do desenvolvimento da pesquisa e concepção da obra, que muitas vezes se estrutura nesses processos, buscas e ensaios abertos.

                A exposição do processo, do erro e do descompasso também são pontos fundantes de Solo e talvez o pior pesadelo de um músico que preza pela perfeição de suas apresentações. O solo envolto por holofotes, palmas e excitação transforma-se aqui na extensão solitária do ensaio constante.

                Neste breve retorno de Daniel Jablonski ao Brasil, teremos um artista quase onipresente nesta primeira semana de abril. Solo é uma proposta performativa que não poderia ser executada em um espaço mais auspicioso que o do Ateliê 397 junto ao Galpão Cru. Na estrutura física desta performance existem várias camadas, atravessamentos e espaços de negociação para sua execução, sobreposições e processos quase intrínsecos à existência de espaços independentes.